Sunday, February 25, 2007

Entrevista com Fernando Baez sobre a destruição de livros e objetos culturais no Iraque

Invasão Iraquiana foi o maior desastre cultural desde 1258
por Humberto Marquez

Livros destruídos na biblioteca Bayt al-Hikma

Um milhão de livros, 10 milhões de documentos e 14.000 artefatos arqueológicos foram perdidos na invasão, liderada pelos EUA, e subsequente ocupação do Iraque – o maior desastre cultural desde quando os descendentes de Gengis Khan destruíram Bagdá em 1258, disse à Inter Press Service o escritor venezuelano Fernando Baez.

Soldados norte-americanos e poloneses ainda estão roubando tesouros e vendendo-os nas fronteiras com a Jordânia e o Kuwait, onde comerciantes de arte pagam até 57.000 dólares por uma tábua suméria, disse Baez, entrevistado em uma rápida visita a Caracas.

O especialista em destruição de bibliotecas ajudou a documentar a devastação de objetos culturais e religiosos no Iraque, onde emergiram os antigos reinos mesopotâmicos da Suméria, Acádia e Babilônia, dando-lhe a reputação de berço da civilização.

Seu inventário da destruição e suas denúncias de violações das tropas da Coalizão à Convenção de Haia de 1954 quanto à proteção do patrimônio cultural em tempos de guerra lhe renderam a inimizade de Washington.

Baez disse que lhe foi negado o visto para entrar nos Estados Unidos para participar de conferências.

Além disso, ele foi proibido de retornar ao Iraque “para empreender mais investigações” , segundo o próprio. “Mas já é tarde, porque nós já temos documentos, gravações em vídeo e fotos que em tempo servirão como evidencia das atrocidades cometidas”, disse Baez, autor de A Destruição Cultural do Iraque e da Historia Universal da Destruição dos Livros, que foram publicados em espanhol.

Interior da biblitoeca al-Awqaf queimado


Inter Press Service: O que você acusa de estarem fazendo os EUA?

Fernando Baez: Em primeiro lugar, de violar a Convenção de Haia, que estatui que a propriedade cultural deve ser protegida no caso de conflito armado.

Isso é uma ofensa punível criminalmente, o que explica Washington não ter assinado a convenção, ou o protocolo de 1999 anexado a ela. E talvez isso seja uma razão porque a administração de George W. Bush está procurando imunidade para seus soldados.

Mas não é só os EUA; o resto das forças de Coalizão também é culpado.

IPS: Mas de acordo com os relatórios, foram civis iraquianos e não soldados norte-americanos que saquearam bibliotecas e museus.

FB: Mas o exército norte-americano foi criminalmente negligente, falhando em proteger bibliotecas, museus e sítios arqueológicos, a despeito de claros alertas da UNESCO ( United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), da ONU, do Instituto Oriental da Universidade de Chicago e do ex-chefe do Comitê de Aconselhamento em Propriedade Cultural, Martin Sullivan.

Os iraquianos que decidiram saquear interpretaram a negligência como um sinal vede para agir sem limites.

IPS: Então o pecado cometido pelos EUA foi omitir-se?

FB: Não apenas isso. Também houve destruição direta e pilhagem. Em Nasiriya, em maio de 2004, um ano depois do fim formal das hostilidades, durante um confronto com militantes do clérigo xiita Moqtada el-Sadr, 40000 manuscritos religiosos foram destruídos por fogo pelas forças de Coalizão.

E quando soldados descobriram que a cidade suméria de Ur (no sudeste do Iraque) foi o lugar de nascimento do profeta Abraão, levaram tijolos ancestrais como souvenirs.

IPS: Você também acusa soldados de outros países, além das tropas norte-americanas.

FB: Sim. No final de maio de 2004, carabineiros italianos foram pegos tentando contrabandear artefatos culturais saqueados na fronteira com o Kuwait. E o Museu Britânico avisou que forças polonesas detruíram parte das ruínas antigas da Babilônia, no sul de Bagdá.

IPS: Podemos supor que esses eventos fazem parte de fases do conflito que já foram deixadas para trás?

FB: Não. Mais recentemente descobriu-se que tropas polonesas dirigiram com veículos pesados perto do Palácio Nebuchadnezzar, que data de antes do século sexto antes de Cristo, e cobriram grandes áreas do lugar com asfalto, causando danos irreparáveis. Houve também tentativas de arrancar tijolos do Portal de Ishtar.

A isso se soma o colapso dos muros antigos causado pela passagem contínua de caminhões norte-americanos e helicópteros, e muros pixados com frases como “I was here” ou “I love Mary”.

IPS: Podemos esperar que a situação melhore com o tempo?

FB: Outra acusação que pode ser feita contra os EUA é que foi o causador de um país menos seguro como um todo, gerando as condições para uma destruição cultural, que será ainda pior nos próximos anos, devido à situação de insegurança legal.

Nos dias da pilhagem de Bagdá, o Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, chegou ao ponto de dizer que pilhagem “não é algo que alguém permite ou não permite. É algo que acontece”.

Hoje o Iraque é como um clube de golf dos terroristas do mundo, e seus tesouros culturais não estarão a salvo no futuro.

IPS: Que impacto isso tem causado nos EUA?

FB: Uma das reações foi o reingresso à UNESCO, da qual os EUA se desviaram durante a era de Ronald Reagan (1981-1989) sob o pretexto de que a agência servia como “uma frente comunista”.

Especialistas dos Departamentos de Estado e Defesa dos EUA estão tentando mitigar os danos. A polícia militar norte-americana ajudou policiais iraquianos na busca da “Senhora de Warka”, apelidada de “Mona Lisa da Mesopotâmia”, uma escultura de mármore de 5.200 anos que é uma das mais antigas representações conhecidas da face humana na história da arte.

IPS: Quão significantes são as perdas?

FB: A Senhora de Warka deve valer 100 ou 150 milhões de dólares. Uma tábua cuneiforme suméria ou estatueta assíria podem custar 57.000 dólares na fronteira.

Alguns iraquianos estão comprando livros em mercados de livros usados em Bagdá para devolvê-los às bibliotecas.

Mas o dano é incalculável. Na Biblioteca Nacional de Bagdá, por volta de um milhão de livros foram queimados, incluindo versões antigas das Mil e Uma Noites, tratados matemáticos de Omar Khayyam e escritos dos filósofos Avicena e Averróis.

IPS: Centenas de relíquias também foram perdidas do Museu Nacional de Arqueologia.

FB: Os relatórios iniciais falaram de 170.000 objetos, mas, em realidade, outros 25 artefatos vultosos, assim como 14.000 menos importantes desapareceram. O oferecimento de anistia aos saqueadores levou a um retorno de por volta de 3500, de acordo com o coronel norte-americano que liderou as investigações, Matthew Bogdanos.

Mas além do Museu e Biblioteca nacionais, a Biblioteca al-Awqaf, que abrigava mais de 5.000 manuscritos islâmicos, as bibliotecas universitárias e a biblioteca de Bayt al-Hikma também sofreram perdas. No mínimo 10 milhões de documentos foram perdidos no Iraque ao todo.

[Baez disse que sua pesquisa sobre a destruição de bibliotecas e arquivos foi primeiramente motivada pelas memórias dolorosas de sua infância de quando uma inundação destruiu a biblioteca de sua cidade, San Felix, no sudeste da Venezuela. Ele sente afeição pela biblioteca municipal porque enquanto seus pais trabalhavam, ele era deixado com conhecidos que trabalhavam lá e passava seus dias lendo. Sua pesquisa culminou no livro História Universal da Destruição dos Livros, que documenta a catastrófica perda de livros durante querras, como a Biblioteca de Alexandria, que foi queimada em 48 a.C., ou a queima de milhões de livros pelos nazistas.]

IPS: Você acredita que as forças militares tem sido os piores inimigos dos livros?

FB: Não, na verdade não. Eu acredito que os intelectuais são os piores inimigos. Intelectuais tem queimado livros em nome da Bíblia ou do Corão. Vladimir Nabokov (1899-1977) queimou o Dom Quixote em frente de seus alunos. Destruidores como Adolph Hitler ou Slobodan Milosevic eram bibliófilos. O próprio Saddam Hussein, um arqueólogo e filólogo, publicou três romances. Joseph Goebbels, o gênio da propaganda nazista, era um filólogo.

E muitos outros que lideraram os EUA na guerra do Iraque são acadêmicos. É um paradoxo: os inventores do livro eletrônico foram à Mesopotâmia, onde os livros, a História e a civilização nasceram, para destruí-los.

Papel incinerado na Biblioteca Nacional do Iraque

(Inter Press Service)

SITE DA ENTREVISTA: http://www.fernandobaez.galeon.com/cvitae551799.html


Nota: postagem atendendo ao pedido de Ary Salgueiro

Ata Por Mais Leitura, 24 de Fevereiro de 2007 [13ºEncontro PML]

por Marília Passos

1. Considerações Iniciais:

No 13o Encontro Por Mais Leitura foram discutidas (democraticamente, diga-se) as velhas eternas questões (quase metafísicas hehehe) sobre o que somos e o que queremos e, a melhor parte, discutimos coisas novas, com pessoas novas. Idéias decerto revolucionárias, mas por certo plausíveis e altamente executáveis. Mudanças quais? Guia das bibliotecas saindo, contato com outras entidades, seja educacionais ou de saúde, enfim: idéias novas. E foram mais de 20 pessoas.

Que se diga que isso é um recorde e um bom sinal.


1º) roda de apresentação (até 16:30)

2º) roda de leitura (até o fim, ou seja: uma hora e meia);


2.1: Lara e Ary: Ficções, de Jorge Luís Borges

o conto: As Ruínas Circulares

2.2: Ítalo: “Esperar Esperança” (dele e pra 30 mil pessoas)

e Mário Quintana com “Faça uma espaçonave e leve seu amor daqui”

2.3: Alan: Contos cruéis / coletânea /

o conto: “A morte do ator Rubem Brandão”, de Moacyr

Scliar

2.4: Bruno e Diogo: “As três moças do sabonete”, de Herbert Daniel

2.5: Lediana: “Como no Céu”, de Carpinejar

poema: sem título (pág 9), “ela escolheu envelhecer comigo”

2.6: Lara (idem, pág 15)

“sou fiel aos hábitos; tu, aos mistérios”

“de que adianta me retrair se não percebo o invisível”

2.7: Ítalo: Rudolf Lang (psiquiatra austríaco, biblioteca da prainha).

2 poemas: “eles estão jogando o jogo deles”

“há qualquer coisa que não sou e pelo visto deveria saber”



  1. três ENCAMINHAMENTOS

3.1) por favor, desligar celular

3.2 ser espontâneo mas respeitar o outro, a leitura e a escrita

3.3) colocar os textos lidos na roda no blog

(e quiçá uma coletânea manual...)

3.4) cuidar do blog, das atas e da comunidade

(haverá pessoas responsáveis ou todo mundo?)

3.5: MUITO IMPORTANTE:

NÃO esquecer: filmar o próximo PML.

Necessitamos de filmadoras

3.6) saraus? (rola mesmo?)


4. Troca de livros:

Proposta de catalogar os livros num programa de computador...


5. GUIA DAS BIBLIOTECAS:

5.1) Bib. Publica – Marília

5.2) SESC Fortaleza- Ary

5.3) BNB – Lara

5.4) Leonilson – Diogo

5.5) Luiza Távora (vagões) – Levi

5.6) Bib UFC-CH – Bruno

5.7 ) ACL – Alan

faltam algumas bibliotecas óbvias:

Dolor Barreira,

José de Alencar,

Juvenal Galeno

Etc.


6. PRÓXIMO PML.

Dia: 10/03

- trazer os livros pra trocar E DOAR

- filmar

- guia

- COMUNIDADE E BLOG: façam tópicos e leiam sempre

-palco móvel e casa do poeta: será que rola?


7. EXTRAS:

Novo contato vindo por folder:


Ítalo Rovere (3242**** / 8855****):

-oficina de produção

-casa do poeta

-editais

-prefeitura



PORTAL UFC - Geórgia Cruz

Semana de Humanidades

Em abril, falar com nosso contato na UFC

Wednesday, February 21, 2007

Para enfrentar o mar bravio

O companheiro Ary Salgueiro tem, além de seu blogue Mergulhando no Raso*, de poemas, contos e outros escritos, possui também um blogue em que faz breves ensaios sobre as obras que leu e lhe chamaram atenção, O Boiando no Fundo*. Como o mesmo afirma, é um comentário sem compromisso, mas talvez por isso mesmo tão rico, porque flui de impressões pessoais a referências a outros autores e, mesmo que se atendo em cada tópico a uma obra específica, sempre englobando uma discussão sobre literatura em geral.

Inaugura-se assim uma sessão de indicações aqui no blogue do Por Mais Leitura, sempre sobre sites sobre e/ou de literatura, com breves explicações e os links dos referidos. Seguem-se o dessa primeira postagem:

*Boiando no fundo:
http://boiandonofundo.blogspot.com/
*Mergulho no raso:
http://mergulhonoraso.blogspot.com/

Friday, February 09, 2007

LITERATURA E MÍDIA

por Nilto Maciel

Publicam-se todo ano no Brasil milhares de livros de poesia e prosa de ficção, quase sempre às custas dos próprios autores e em pequenas tiragens. A maioria desses livros não chega às livrarias, que hoje se dedicam a vender obras científicas (literatura médica, por exemplo), jurídicas, religiosas, filosóficas, infantis, ao lado de livros de auto-ajuda, política, amenidades, romances norte-americanos de segunda categoria e os clássicos da literatura universal e nacional.

O fim da editora tradicional talvez já tenha chegado. A literatura já estaria praticamente fora dos interesses dos editores e livreiros. A exceção a esta regra seriam os clássicos, que têm, como leitores, estudantes e escritores. A literatura nova (presente e futura) será editada por conta dos próprios autores ou pequenas editoras.

Para alguns escritores, as editoras não investem em literatura (daqui em diante empregarei o termo literatura apenas para me referir à poesia e à prosa de ficção), a mídia não dá a mínima importância ao livro, não há editoras e livrarias em número suficiente para acolher todas as obras escritas etc. E aí estaria o grande problema do escritor. No entanto, críticos e jornalistas acreditam mais na incapacidade de comunicação da maioria dos escritores com o leitor, uns por serem pobres de talento e conhecimento, outros por terem muito talento e conhecimento e se isolarem na torre de marfim da poesia para poetas, do romance para romancistas etc. Muitos escreveriam para si mesmos ou para outros escritores. Seria uma literatura para iniciados, como se a literatura fosse a linguagem de uma sociedade secreta, com seus símbolos próprios. Seria a literatura fora de mercado, não-mercantil, em contraposição à subliteratura e a uma literatura “popular”, do gosto das massas.

Edgar Morin, em Cultura de Massas no Século XX (O Espírito do Tempo), teoriza: “A corrente média triunfa e nivela, mistura e homogeneíza, levando Van Gogh e Jean Nohain. Favorece as estéticas médias, as poesias médias, os talentos médios, as inteligências médias, as bobagens médias. É que a cultura de massa é média em sua inspiração e seu objetivo, porque ela é a cultura do denominador comum entre as idades, os sexos, as classes, os povos, porque ela está ligada a seu meio natural de formação, a sociedade na qual se desenvolve sua humanidade média, de níveis de vida médios, de tipo de vida médio.”

E acrescenta: “Um exemplo de vulgarização ininterrupta esclarecerá esse propósito: O Vermelho e o Negro de Stendhal se torna um filme adaptado aos padrões comerciais; desse filme nasce O Vermelho e o Negro, folhetim em quadrinhos publicado num diário.”

Esses escritores não-mercantis não estariam voltados para o leitor, para o outro, mas para si mesmos. Segundo Emanuel Medeiros Vieira, “escrevemos para perdurar, para vencer a poeira do tempo, para despistar a morte, para regar nossos fantasmas e obsessões, para nos comunicar”. Porém como vamos os escritores nos comunicar com os leitores? Se escrevermos para nós mesmos, não haverá comunicação, e escrever será apenas catarse, psicoterapia, auto-análise.

Haveria, então, uma literatura sem mercado ou fora dele e uma literatura produzida especialmente para o mercado. Os livros produzidos para o mercado têm cotação: os mais vendidos, os best-sellers, os que interessam diretamente às editoras, aos livreiros e à mídia. Segundo Juan Liscano, em entrevista a Floriano Martins, no livro Escritura Conquistada: “Enquanto o best-seller, um produto para o mercado, constitui hoje em dia a meta da literatura, a poesia situa-se no extremo contrário, representando, portanto, o não mercantil literário, o trabalho nobre artesanal, o ofício tradicional, mesclado com as funções xamânicas de expressar o humano em transe de universalização arquetipal (a tribo de que falou Mallarmé).” Não está descartada a hipótese de uma obra literária tornar-se best-seller. Porém isto se dará quase que por acaso ou dependendo do merchandising do editor. Assim, um grande romance pode em determinado tempo tornar-se o mais vendido em algum país ou em parte do mundo. Foi o caso dos Versos Satânicos, de O Nome da Rosa e outros.

São ainda de Edgar Morin as seguintes observações: “Em certo sentido aplicam-se as palavras de Marx: “a produção cria o consumidor... A produção produz não só um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”.

De fato, a produção cultural cria o público de massa, o público universal. Ao mesmo tempo, porém, ela redescobre o que estava subjacente: um tronco humano comum ao público de massa.
Em outro sentido, a produção cultural é determinada pelo próprio mercado. Por esse traço, igualmente, ela se diferencia fundamentalmente das outras culturas: estas utilizam também, e cada vez mais, as mass-media (impresso, filme, programas de rádio ou televisão), mas têm um caráter normativo: são impostas, pedagógica ou autoritariamente (na escola, no catecismo, na caserna) sob forma de injunções ou proibições. A cultura de massa, no universo capitalista, não é imposta pelas instituições sociais, ela depende da indústria e do comércio, ela é proposta. Ela se sujeita aos tabus (da religião, do Estado etc.), mas não os cria; ela propõe modelos, mas não ordena nada. Passa sempre pela mediação do produto vendável e por isso mesmo toma emprestadas certas características do produto vendável como a de se dobrar à lei do mercado, da oferta e da procura. Sua lei fundamental é a do mercado.”

Em outra página o filósofo francês acrescenta: “No entanto, se nos colocarmos do ponto de vista dos próprios mecanismos do consumo e do ponto de vista do tempo, podemos considerar que ao longo dos anos, os temas que desabrocham ou desfalecem, evoluem ou se estabilizam no cinema, na imprensa, no rádio ou na televisão, traduzem uma certa dialética da relação produção-consumo.

Não se pode colocar a alternativa simplista: é a imprensa (ou o cinema, o rádio) que faz o público, ou é o público que faz a imprensa?

A cultura de massa é imposta do exterior ao público (e lhe fabrica pseudo-necessidades, pseudo-interesses) ou reflete as necessidades do público? É evidente que o verdadeiro problema é o da dialética entre o sistema de produção cultural e as necessidades culturais dos consumidores. Essa dialética é muito complexa, pois, por um lado, o que chamamos de público é uma resultante econômica abstrata da lei da oferta e da procura (é o “público médio ideal” do qual falei) e, por outro lado, os constrangimentos do Estado (censura) e as regras do sistema industrial capitalista pesam sobre o caráter mesmo desse diálogo.

A cultura de massa é, portanto, o produto de uma dialética produção-consumo, no centro de uma dialética global que é a da sociedade em sua totalidade.”

Na verdade, o grande problema do livro não está na distribuição, ao contrário do que afirmam algumas pessoas. Porque mesmo que as livrarias * que são poucas no Brasil * aceitassem os livros de todos os escritores, ou de grande parte deles * mesmo assim não estaria garantida a comercialização dos livros editados. Não há leitor para literatura, especialmente poesia e prosa de ficção. A circulação das obras literárias é e deverá ser sempre restrita a outros escritores, estudiosos, pesquisadores, críticos, estudantes etc. Livros com distribuição garantida a todas livrarias e bancas de revistas são aqueles livros produzidos com os ingredientes da violência, cenas de sexo, drogas etc. Os best-sellers norte-americanos são o melhor exemplo desse tipo de “literatura”.

As livrarias não aceitam livros editados por pequenas editoras, geralmente criadas por um escritor para editar os próprios livros. E quem são os escritores que têm leitores? Os melhores? E quem são os melhores? Geralmente os melhores são eleitos pelos professores de literatura e pelos críticos. Os primeiros, talvez por falta de tempo, já chegam às cátedras das Faculdades de Letras com os mesmos nomes de sempre, os escritores que leram e estudaram: Fernando Pessoa, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Carlos Drummond, Manuel Bandeira e poucos outros. Mesmo grandes poetas e prosadores são esquecidos, como Jorge de Lima. Dirão: daqui a 50 anos outros nomes serão incluídos nessa lista dos melhores. Será a sua vez * dizem, como consolo ao escritor de hoje. O grande público, porém, não conhece esses bons escritores. Isto é, um pequeno número de pessoas, ilustres leitores e estudiosos, seleciona os melhores.

Moacyr Scliar resumiu a questão escritor-leitor, valendo-se de palavras de outros grandes escritores: “Quem não espera um milhão de leitores não deveria escrever, dizia Goethe, mas desde então as expectativas têm sido mais modestas. Stendhal: “Escrevo para apenas cem leitores, e desses seres infelizes, amáveis, encantadores, conheço apenas um ou dois”. Arthur Koestler levou mais adiante a fórmula dos “cem leitores”: uma centena, sim, mas que possam ser trocados por dez ao cabo de uma década e por um único no fim de um século.” (Revista Literatura n.º 3, dezembro, 1992).

O público de jornal, de revista semanal e de televisão não tem interesse por literatura. Mesmo a literatura mais banal, mais popularesca, mesmo essa não tem grande público. Daí a mídia não ter interesse nela. Ora, a política, nacional e internacional (agora mais do nunca, com a globalização da informação), os esportes, o crime, a música pop têm público, grande público. Daí as muitas páginas nos jornais. E os melhores horários na televisão.

Eloésio Paulo, em seu recente Teatro às Escuras - Uma Introdução ao Romance de Uilcon Pereira, afirma: “A propósito das relações entre o texto literário e o padrão de comunicação estética estabelecido pelos veículos de comunicação de massa, o poeta João Cabral de Melo Neto já apontava em 1954 para a necessidade de um comércio maior entre as formas poéticas e novos meios de difusão. Cabral destacava principalmente as virtualidades do rádio como difusor da poesia; apresentava, como uma direção inevitável para o poeta moderno, reformular sua posição enquanto agente de um processo de comunicação, ao mesmo tempo mantendo a alta elaboração estética na base de seus objetivos e procurando abrir-se à possibilidade de atingir o grande público. Via-se o poeta, portanto, diante de um impasse representado pela concorrência dos mass media, que por outro lado encerrava, dialeticamente, a própria saída ou solução, já que o tornar a poesia capaz de “entrar em comunicação com os homens nas condições que a vida moderna oferece” era, para Cabral, a “contraparte orgânica” da luta pela expressão poética desobstruída do tom oratório característico do lirismo tradicional.”

E diz mais: “Se a ficção do período (anos 50 e 60) não ignorava a cultura de massas, é certo que encerrou a problemática em outros termos, distanciando-se do mundo racionalmente administrado da sociedade em industrialização para mergulhar nos impasses da consciência individual e nas indagações metafísicas, coincidindo os escritores mais importantes numa pesquisa estética em nada dirigidas para a massificação da literatura.”

Há alguns anos os jornalistas eram, antes de tudo, escritores, como Machado de Assis e outros. Os donos dos jornais ou os editores-chefes precisavam desses escritores. Sem eles, não teriam como editar seus periódicos. Daí também os suplementos literários, que certamente nunca ressurgirão. Não havia ainda os cursos de comunicação. Mesmo assim, ainda hoje temos os artigos assinados, sim. Porém seus autores geralmente são políticos profissionais, sociólogos ou economistas. Que eventualmente podem ser escritores.

Edgar Morin cita um trecho de Robert Musil, em O Homem sem Qualidades, quando o personagem Arnheim pergunta: “Você não notou que nossos jornalistas ficam sempre melhores e nossos poetas sempre piores?” E tira sua conclusão: “Efetivamente, os padrões se enchem de talento, mas sufocam o gênio. Um copy desk do Paris-Match escreve melhor que Henri Bordeaux, mas não saberia ser André Breton.”

(grifos meus)

Thursday, February 08, 2007

Alguns dedinhos de prosa(aliás, poesia) com Antônio Cícero

Navegando pelo site da cantora Adriana Calcanhotto, me deparei com uma espécie de blog espaçadamente atualizado chamado ''Pelos Ares''. Nele, poemas, notícias, fotos, trechos de entrevistas aparentemente postados pela própria Adriana. E entre tudo isso, acabei encontrando um trecho, sem nenhuma explicação, de uma entrevista do poeta Antônio Cícero, parceiro de Adriana e de diversas outras personalidades da música, muitas com sua irmã, Marina Lima. Na entrevista, a qual não consegui identificar para quem ou que veículo, versa sobre algumas questões à respeito de poesia contemporânea, vanguardas e tradição, desfazendo alguns mitos e visões meio que solidificadas à respeito do fazer poético. Vale a pena conferir.












Q: - Mas em que medida a vanguarda foi importante para a sua poesia? Questiono isto, porque se, por um lado, os seus poemas não fazem cedências ao experimentalismo, por outro, não pode dizer-se que ficou imune às influências das correntes mais vanguardistas.

Antonio Cicero - Não há poesia contemporânea - ou melhor, não há boa poesia contemporânea - que se pretenda imune às influências vanguardistas. Não se pode hoje fazer poesia como se as vanguardas não tivessem existido. Mas o verdadeiro sentido das vanguardas foi o de abrir portas, não o de fechá-las. Os vanguardistas falavam de "destruição", de "morte", de "fim": da "morte do soneto", do "fim do verso", da "destruição da métrica" etc. Tratava-se de pura retórica, porém tanto eles quanto os seus inimigos acabaram por acreditar nela. Estavam todos enganados. No final das contas, como hoje sabemos claramente, não ocorreu nenhuma dessas mortes ou destruições. Independentemente das ambições e das ilusões dos seus protagonistas, o que as vanguardas efetivamente mostraram - e não o fizeram com seus manifestos, mas com seus poemas - é que a poesia é compatível com uma infinidade de formas. É verdade que o corolário disso é que as formas tradicionais eram meramente tradicionais e não essenciais à poesia, isto é, que elas têm origem na convenção e não na natureza. Ao revelar esse fato, as vanguardas relativizaram essas formas; mas relativizar uma coisa é diferente de destrui-la. Do século XII ao século XVII, construíram-se e se consolidaram diversas formas de poesia escrita adequadas às línguas modernas. No século XIX, essas formas se apresentavam como "naturais" e infringi-las parecia anti-natural.
As vanguardas simultaneamente abriram caminho para as infinitas possibilidades que haviam sido excluídas e mostraram que as formas "naturais" eram na verdade formas que haviam sido fetichizadas. Bastou essa revelação para se desmontar o fetiche. Uma vez feito isso, as vanguardas haviam cumprido a sua função histórica.Mas esse é o resultado final da atividade das vanguardas: é o que ficou depois que elas terminaram o seu trabalho, isto é, depois que percorreram o caminho finito que nos trouxe da pré-modernidade à modernidade plena. É claro, porém, que esse caminho não foi uma linha reta. A história nunca é assim. Antes de desfetichizar as formas tradicionais, as vanguardas as mantiveram fetichizadas, porém inverteram o valor desse fetiche. Se tradicionalmente as formas convencionais haviam sido as únicas admissíveis na poesia, em certo momento as vanguardas passaram a tomá-las como as únicas inadmissíveis na poesia. Entretanto, isso foi apenas um momento da história das vanguardas. Ao cabo dela, não havia sobrado fetiche algum, nem positivo nem negativo.É importante ressaltar que o resultado realmente importante dessa história não foi nenhum progresso artístico, isto é, nenhum progresso da própria poesia, mas um progresso cognitivo.
O resultado objetivo de todo o afã da vanguarda foi a aquisição de um conhecimento de caráter negativo sobre a essência da poesia. Descobriu-se que nenhuma forma é essencial à poesia. Isso significa que por princípio não se pode receitar como deve ser um poema. Pela mesma razão, não há critérios prontos para serem aplicados a cada poema que surja. É nesse ponto que nos encontramos hoje. Trata-se, evidentemente, de uma situação muito diferente tanto daquela (pré-vanguardista) em que se supunha conhecer as formas essenciais à poesia quanto daquela (vanguardista) em que ainda se buscava determinar as formas essências à poesia. O grande erro que alguns vanguardistas cometeram foi confundir os progressos cognitivos que obtiveram com um progresso artístico.
Outro erro não menos grave, porém, é cometido pelos inimigos da vanguarda e da modernidade que, ao ridicularizarem a confusão que acabo de apontar, entre conhecimento e arte, negam à vanguarda qualquer sentido e se recusam a reconhecer o que ela realizou do ponto de vista cognitivo. Mas não é possível voltar atrás e é preciso dizer a verdade: as vanguardas acabaram; mas acabaram, não porque não tenham dado certo, mas porque cumpriram a missão de legar ao mundo a liberdade da qual, hoje, a poesia da nossa geração se beneficia. Quanto a mim pessoalmente, alguns dos poetas mais importantes na minha formação foram vanguardistas ou ex-vanguardistas, como Carlos Drummond de Andrade.

Q: - Então você crê que não haja mais lugar para a poesia experimental?
Antonio Cicero - Creio o oposto: o fato de que as vanguardas acabaram não significa que não continue a existir - ou que não tenha o direito de continuar a existir ou que não possa ser boa - a poesia experimental, isto é, a poesia que faz experiências com novas linguagens, formas, técnicas, materiais etc. O experimentalismo continua a existir, embora seja apenas uma das possibilidades da poesia. Ele não é mais "vanguarda", pois não está mais a abrir caminho para a nossa compreensão da poesia, mais apenas explorando caminhos formais alternativos. Enquanto poeta algum pode ignorar o feito cognitivo da vanguarda histórica, é apenas por uma questão de gosto que alguém toma ou deixa de tomar conhecimento da arte experimental de hoje.

Q: - Você diria que ainda há lugar para a busca do novo?
Antonio Cicero - Não. Acho que a arte não tem nada a ver com nenhuma "busca do novo". Essa expressão mesma é fruto de um equívoco. Quando digo que o artista experimental faz experiências com novas linguagens etc., não quero dizer que ele esteja abstratamente "à busca do novo". Ele está concretamente experimentando e brincando com determinadas linguagens, determinados materiais etc. A partir dessa experimentação pode surgir uma obra. O que importa é que ela seja boa e isso não depende do seu grau de "novidade", que é totalmente acidental. Além disso, a expressão "busca do novo" supõe que "o novo" esteja por aí, para ser achado. Supõe uma exterioridade do "novo" em relação ao artista e à arte. Segundo essa imagem, o artista é aquele que "capta o novo" que os outros não percebem. Por isso Ezra Pound, que cometeu o equívoco de exortar os poetas a "make it new", também os chamava de "antenas da raça". É a concepção do artista como aquele que, antes dos outros, consegue captar e retransmitir o tal "novo". Mas captar e retransmitir o novo não é a função legítima dos poetas, mas sim dos jornalistas e dos publicitários. Também acho superada a hierarquização poundiana dos artistas em inventores, mestres e diluidores. O poeta que acredite nisso vive na ansiedade de tentar achar o "novo" antes que um outro o faça; mas "o novo" já é velho, quando é achado.


Q: - Entretanto, "o novo" não era importante apenas para Pound, mas para a vanguarda, de modo geral.

Antonio Cicero - O "novo" foi uma categoria importante para a vanguarda porque o feito da vanguarda enquanto vanguarda foi, como eu disse, um feito cognitivo. Sua importância estava em revelar algo sobre a natureza da poesia. Ora revelar algo que todo o mundo já soubesse não teria sido revelar coisa alguma. Uma revelação é tanto maior quanto mais nova for, quanto mais contrária for ao que é sabido. Daí o culto à novidade. Contudo, a novidade não é, de modo algum, uma propriedade estética; do contrário, um poema bom ficaria ruim à medida que passasse a sua novidade.

Q: - Mas não se pode dizer que um poema bom é inovador, no sentido de que mostre novos caminhos para a poesia?

Antonio Cicero - Se fosse assim que aconteceria, quando passasse a novidade desses novos caminhos? Por que é que um poema continua sendo bom, mesmo depois que mil poemas posteriores já trilharam os caminhos que ele um dia apontou? Será porque sabemos que ele foi o primeiro? Mas pensar desse modo seria degradar a apreciação estética a uma apreciação histórica. Se fosse assim, só se leria Dante, por exemplo, por interesse histórico, por respeito ao fato de que ele tenha sido inovador no seu tempo, mais ou menos como se pode ler Copérnico hoje. Ora, a verdade é que o meu prazer em ler Dante não depende em nada de saber que ele inovou em alguma coisa. Mesmo um leitor que ignore que Dante tenha sido inovador é capaz de obter um prazer estético vivo, atual, e não histórico, da leitura da Divina Commedia. E é essa propriedade que distingue a grande literatura. Na verdade, Isócrates já tinha, na Grécia antiga, resolvido a questão da novidade, quando afirmava que, nas artes da palavra, são dignos de admiração não os primeiros a fazer alguma coisa, mas os melhores, e que se deve honrar não os que tentam fazer o que ninguém antes fez mas os que são capazes de fazer o que ninguém mais consegue. Penso que o importante não é fazer o novo, mas fazer aquilo que não envelhece.



*Se alguém souber de onde é a entrevista, por favor me avise para que sejam colocados os devidos créditos. Por enquanto, fica com a Adriana.

Tuesday, February 06, 2007

Novo blog na família pmlística

E foi criado mais um veículo de comunicação dentro da comunidade Por Mais Leitura, que já conta com blog, fotolog e comunidade no orkut, além de lista de discussão por e-mail. Trata-se do blog para registro dos textos lidos nos encontros, com enfoque principalmente naqueles autorais. A postagem deve acompanhar os encontros, servindo sempre de referência tanto pra quem quer rever como pra quem não pode ir e quer saber o que rolou.

Visitem: www.pmltextos.blogspot.com !