Friday, August 10, 2007

Minha leitura: ''Maysa, Só, numa multidão de amores''

Tudo llegó
Com fuerzas
Braviamente,
Rompiendo,
Lhegando
Y se hizo la calma total

El verde quedó verde,
La chica quedo renga,
La vieja seguia vieja
Pero la calma... total

No hubo uma sola voz
Qué coraje tuviera de gritar,
De deshacerse
Y perguntar

Las piedras a los pies ya no herian
La noche,
El dia,
Igual.

Quien há muerto?
El mundo, o Yo?

Maysa foi antes de tudo uma voz. Ninguém pôde calar dentro dela essa chama que não passou. Era uma voz que trazia à tona a si mesma, por isso capaz de trazer à tona quem quer que a ouvisse. Não precisou explicar quando ou como ela veio. Seja, cantando, escrevendo, compondo, atuando ou o que quer que seja, ela só disse o que pensava, só fez o que gostava e aquilo em que acreditava.

A conseqüência disto é que é principalmente pela sua própria voz que tomamos conhecimento de sua história. Se suas músicas e entrevistas já nos diziam muito de sua pessoa, através do livro ‘’Maysa – Só, numa multidão de amores’’ é em grande parte pelas suas próprias anotações, diários e até mesmo de trechos de um esboço de biografia que tomamos conhecimento de sua vida. O livro, escrito pelo jornalista cearense Lira Neto, cumpre inteiramente seu papel como biografia ao deixar transparecer essa personagem e ainda enriquecê-la com os depoimentos de amigos e pessoas que com ela conviveram.

O jornalista, que teve acesso à imenso material pessoal da cantora cedido por seu único filho, Jayme Monjardim, acrescentou à essa voz principal a confrontação dos fatos e acontecimentos que não poderiam caber em um só indivíduo. Com isso se estabelece o rigor jornalístico e um olhar menos indulgente para com a biografada, o que é essencial para que não se caia no melodrama. Especialmente frente à uma personagem tão afoita aos extremos como esta.

Porém, sem menosprezar o autor, o melhor do livro fica realmente por conta das passagens em que temos acesso aos escritos da própria Maysa falando sobre si mesma, afinal, não há depoimento mais interessante do que o próprio biografado. O poema acima, por exemplo, parece traduzir muito bem sua intensa trajetória de vida. O texto, que fala de uma intensidade impressionante na força com que chega, que é a mesma com que se vai, expressa bem o ciclo de altos e baixos pelos quais a cantora passou. As próprias circunstâncias em que escreveu esse poema demonstram um de seus baixos e ao mesmo tempo um ponto de virada: o escreveu em uma de suas muitas passagens por clínicas de reabilitação, no caso, em Buenos Aires. Foi a maneira que encontrou de fugir por algum tempo da imprensa brasileira, que noticiava cada novo escândalo seu.

E o livro nos conduz de maneira bastante fluida e articulada nesse percurso pedregoso. Filha de uma família rica, Maysa Monjardim casou com um herdeiro mais rico ainda, André Matarazzo. Para via de referência, a revista Times chegou a comparar a riqueza do clã paulistano à da família Rockfeller nos Estados Unidos. Imagine-se o escândalo causado por um moça de tão ''boa'' família, então com apenas 22 anos, se lançando na carreira de cantora, na época veiculada à qualquer coisa menos à respeitabilidade exigida de uma senhora como tal.

O casamento acabou não sobrevivendo, mas a carreira, desde o início, foi de vento em poupa. Logo Maysa tornou-se o símbolo da música de fossa, gênero que dominava as paradas da década de cinqüenta. Este se tratava na verdade uma espécie de adaptação brasileira dos boleros mexicanos que faziam sucesso em todo o mundo. Ganharam aqui, entretanto, uma pitada de samba e viraram a música de fossa.

A mistura era meio inesperada, mas nem tanto; o samba, no caso, é mais especificamente o samba-canção, gênero mais lento desse ritmo e que é acompanhado normalmente de letras bastante melancólicas. Vide um Noel Rosa, por exemplo.Já o bolero mexicano tem como principal expoente o mais que conhecido ‘’Bésame Mucho’’, gravado por 9 entre dez cantores românticos, não importa que geração. Outra coisa interessante do livro é justamente inserir Maysa no contexto histórica da música brasileira, o que acaba fazendo com que o leitor, pelo menos um leigo como eu, entenda melhor o desenvolvimento da nossa música desde a década de 50 até meados de 70.

Finalmente, para identificar o que seria a canção de fossa, caso seja desconhecida do leitor, basta lembrar do grande sucesso do primeiro lp da ainda então senhora Matarazzo:

‘’Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
Não sei se me explico bem, eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí
Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar’’

Entretanto, apesar de conhecida preponderantemente por suas músicas de dor-de-cotovelo e pelo alcoolismo, a cantora nunca entoou sua tristeza de maneira leviana, como muito se vê hoje no triste cenário de nossa música mainstream. Maysa enfrentava a tristeza para viver a vida, e não para fugir dela. Cantou seus dramas por acreditar na sua verdade, talvez ainda por saber que devia viver a vida em sua intensidade, tanto feliz quanto triste. Inspirado por essa sua faceta, o poeta, profeta e músico Jorge Mautner chegou escrever um livro no qual Maysa figura como uma das personagens principais, ‘’Deus da chuva e da morte’’, ganhador do prêmio Jabuti em 1963. O encontro entre os dois está no livro e é deveras antológico.

Seria errôneo e redutor, porém, classifica-la unicamente como uma cantora de fossa. Ela não se limitou somente à ela, flertando com diversos gêneros musicais. Prova disso são suas inusitadas versões para Light my fire, do The Doors, e Se você pensa, de Roberto Carlos, em seu disco Canecão apresenta Maysa. Com o amadurecimento artístico, Maysa foi flertando aos poucos com outros gêneros musicais. Ela mesma alardeava, por exemplo, que fora a primeira a levar João Gilberto para São Paulo, onde o levou para tocar em seu programa de tv. Foi a primeira vez que ela largou a orquestra pelo acompanhamento básico do violão. E isso aconteceu pouco tempo antes dele lançar ‘’Chega de saudade’’, marco do início da onda da Bossa Nova no país. Para completar a transição, em 1961 pulou de vez nessa maré e lançou o disco O Barquinho, cujo título faz menção à canção homônima de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, outro marco histórico do início da bossa.




Depois desse período a cantora viveu muitos outros altos e baixos, tendo morrido em 1977, aos 40 anos, vítima de um acidente de carro na ponte Rio-Niterói. Morreu entretanto na fase mais calma de sua vida e carreira. Nessa época, já tinha trocado a vida boêmia das grandes cidades por sua pacata casa em Maricá, se dedicando aos seus cachorros e à pintura. Estava solteira e aparentemente despreocupada com isso. O título da biografia, porém, parece fazer jus à personagem: Maysa, apesar de seus milhões de amantes esteve sempre um pouco só, como todo nós. A diferença é que essa solidão ela cantava. Deixou saudade, mas eu gosto dessa saudade, ela é você.

Ao ler Só, numa multidão de amores, infelizmente, tanto quanto a perplexidade diante de uma personagem tão magnífica da nossa música fica a triste sensação de que o Brasil definitivamente é um país sem memória, talvez sem uma saudável saudade. Para o senso comum, ou seja, pelos especiais e menções da rede Globo, aparentemente a única coisa interessante produzida nos últimos cinqüenta anos se restringe aos nomes de Elis Regina, Chico Buarque, Tom Jobim e o quarteto Gal, Gil, Bethânia e Caetano. O livro de Lira Neto, através de seu atento trabalho de pesquisa aliado à farta documentação de acervo pessoal da cantora, acaba sendo um jorro de luz no obscuro cenário de nossa memória musical.

2 Comments:

Blogger Pedrita said...

um blogueiro amigo não gostou dessa biografia, a começar pela viagem de maysa e seus supostos pensamentos. mas tenho vontade de ler. beijos, pedrita

5:59 AM  
Blogger Lira Neto said...

Caros amigos do blog.

Muito obrigado pelo generoso comentário.

Caraa Pedrita.

No livro, em nenhum momento, reproduzo "supostos pensamentos" de Maysa. Você deve ter confundido as coisas.

Grande abraço.

5:08 AM  

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