Monday, June 04, 2007

Minha leitura: Distraídos Venceremos.










[Paulo Leminski]


Escrevo. E Pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhace,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel, quando o poema me anoitece. A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
[Razão de ser]


Acho sinceramente este um livro a ser degustado. Em que já na primeira página, no que se chamaria “prefácio” e Leminski batiza de “Transmatéria Contrasenso”, surge um haicai (ou devo dizer Poetrix? Porque há quem se bata nessas classificações... Brigas, a meu ver, completamente bobas):

É quando a vida vase.
É quando como quase.
Ou não, quem sabe.

E é nessa poesia cheia de silêncios, que lida mais com a empatia e a compreensão individual no seu viés mais intimista (e não por isso apartada de contexto universal e problemáticas sociais.. ;) que encontramos os poemas de Leminski. Pra quem não sabe, acho que convém dizer que o Leminski queria ser um grego nos tempos atuais – e aqui me permitam rir, ele riria também. Poeta, cronista, cineasta, professor de história, literatura, publicitário, tradutor, professor de – o que foi mesmo? Kung fu? É tanta coisa que a gente até se confunde. Mas sim, mexeu com música também. (obs: diz-se que esse título, “distraídos venceremos” é mesmo com relação ao kung fu e uma opinião que ele expressou um dia – agora imaginemos a cena! Eu pensaria: ok, mas não tão distraídos assim.)Um maluco muito lúcido, vamos dizer. Verdade é que encontramos pelos versos desse homem uma pluralidade de temáticas que, no mais das vezes, extrapola qualquer temática, primando sempre pela identificação. Aquelas coisas de você ler e ficar em silêncio, por pura estupefação: de meu Deus, como ele disse isso e eu não? Hehehe Muito bom... Quando não é aquele existencial que dói, é aquele irônico afiado, ou o engraçado de coisas bobas, do próprio tom em que ele fala.

Dos meus preferidos, cito a segunda parte do livro, de título “Ais e menos”, a começar do título. E o poema “Três metades”:

Meio dia
Um dia e meio
Meio dia, meio noite,
Metade deste poema
Não sai na fotografia,
Metade, metade foi-se.

Mas eis que a terça metade
Aquela que é menos dose
De matemática verdade
Do que soco, tiro ou coice,
Vai e vem como coisa
De ou, de nem, ou de quase.

Como se a gente tivesse
metades que não combinam,
três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três,
como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez."
e o incrível, simples e claro – e também sem título:

“ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa”
é um livro que seduz. Pela simplicidade, pela eficiência com que passa mensagens, e jamais mensagens simples: a simplicidade que eu digo é da leveza da leitura. Muita coisa em Leminski passa batido por ir além do que se imagina (claro que isso é da Poesia, e não só dele), e é num estilo que lhe é próprio que ele diz as coisas que ou queremos ouvir e nem sabíamos, ou preferíamos não saber. Tem muito de ironia, mas o que dele eu levo mais é a simplicidade, a beleza das coisas que ele captava como um poeta urbano, digamos assim, mas às vezes com a tristeza e a melancolia de um bucólico. Eu sei é que eu recomendo! Quem não leu, vá atras, e quem já leu, leia de novo, que o homem escreveu muita coisa e ainda há muito por conhecer ;)

4 Comments:

Blogger bruno reis said...

Bom, acho que o texto cumpriu seu propósito: me deu vontade de ler o autor!

7:41 PM  
Blogger Dna.Mocinha said...

Poesia, Leminski, tudo lindo e tudo se autocompleta. É incrível como alguns autores se apossam de um gênero e nos fazem crer que foram eles que o criaram assim num dia de chuva, quando não se tem muito a fazer. Assim é Leminski. Você vai lendo e descobrindo o mundo e parece que algo novo se descortina ante seus olhos e tudo parece fazer sentido. É isso. E com certeza o sentimento de "eu deveria ter escrito isso". E sabe por quê? Porque é muitas vezes no óbvio que reside sua genialidade, é no simples que está sua maestria, suas bem traçadas palavras. Muito bom o texto, Lila. =)

7:46 PM  
Blogger Thalita Castello Branco Fontenele said...

"Como se a gente tivesse
metades que não combinam,
três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três,
como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez."


Dizer que ele queria ser grego faz muito sentido, Mar. Com estes versos aqui, acabo de constatar.

Você se lembra? Eu já falei pra você da Constituição grega do homem? Soma, Psique, Nous. Sem nem dizer das outras tríades da vida... que a gente já comentou.

"Metades que não combinam", claro, as angústias, as confusões entre corpo-alma-espírito. As confusões. A confusão da não-certeza. Mas, existindo, não há dúvida: é fato, é lindo. Não tem talvez. Nem tem tempestade, é só cheirinho de terra molhada... até tarde.


E você muito escreve bonito, Mar.
Você nem é uma Ilha.

8:58 PM  
Blogger Ary Salgueiro said...

Bem legal, Marília :) O livro é mesmo foda!

3:10 PM  

Post a Comment

<< Home