Sunday, August 05, 2007

Duas mamães

A história que motiva este post está neste interessante artigo: http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3861/is_199811/ai_n8823379

Vou resumi-la. Nos Estados Unidos, a biblioteca municipal da cidade de Wichita Falls comprou exemplares para sua seção infantil dos livros Heather has two mummies, a história de uma menina, a Heather, que, enfim, tem duas mães (“... ensinando que o importante em uma família é que todos nela amam uns aos outros”), e Daddy´s rommate, de um menino que, depois do divórcio de seus pais, descreve a relação do papai com um “colega”. Vale dizer, é uma iniciativa na educação infantil de mostrar (“dar visibilidade”) a uma nova forma de entidade familiar, baseada no casamento gay.

Heather tem duas mamães.

Vamos guardar pra depois as considerações sobre se foi certo o município ter comprado ou não estes livros.

Primeiro é interessante falar sobre o caso de que trata o artigo do link que inicia este post. O pastor Jefress, da Igreja Batista daquela cidade, iniciou uma campanha de boicote aos livros. Ele pegou da biblioteca as cópias destes dois livros e se recusou a devolver, optando por pagar o dinheiro equivalente. Ou seja, ele, a bem da verdade, furtou, e foi seguido por alguns outros (ainda tendo como alvo os mesmos livros), em outros lugares dos EUA. Acabou que o fulano fez tanto barulho que o Council da cidade (que, acredito, deve ser algo como uma Câmara Legislativa) chegou a seguinte absurda solução (isto em 1999):

Se 300 pessoas assinarem um abaixo-assinado pedindo para retirar um livro da estante infantil da biblioteca, isso deve ser acatado pelo bibliotecário.

Dos vários problemas disso, um salta aos olhos: Wichita Falls já tinha na época uns 100.000 habitantes. Além do que, imaginem numa pluralidade de visões, marginais ou majoritárias, quantos grupinhos de 300 não poderiam sair por aí tirando isso e aquilo das prateleiras sem qualquer fundamento, ou com a falta de fundamento que é dizer simplesmente “não concordo”. Estariam armados estes 300 guardas do pensamento esperando outras decisões favoráveis que lhes ampliassem os poderes de controle sobre qualquer conteúdo a ser veiculado por qualquer meio. Ainda mais: é uma idéia distorcida de democracia essa que diz que por serem 300, 3000 ou 30000000 os reclamantes se pode, pelo poder “democrático” do número de gente, dizer legitimamente o que é ou não adequado de se ver e ouvir. A democracia não pode negar-se: não se pode decidir democraticamente contra a democracia.

Daddy´s roommate: "Minha mãe e meu pai se divorciaram ano passado."

A luta entre ideologias que envolve a publicação, distribuição e a compra de livros, por particulares e pelo Estado (especialmente quando usado no sistema público de educação) nos deixa uma série de perguntas, que devem também ser consideradas nesse caso dos livros “gays”.

Quando a biblioteca em questão comprou tais livros, ela estava adotando uma posição política que excluía outros segmentos da opinião pública (a saber, anti-homossexualismo)? Pode ter o Estado um mínimo de neutralidade quando se vê perante a diversidade de opiniões? Quando ele pretende neutralidade, está realmente a realizando de modo honesto? Ou deve ele desistir de uma pretensa neutralidade, adotando uma visão, pois o jogo democrático é esse? Existem livros indesejáveis? Se existem, quem tem legitimidade para dizer quais são, dentre uma infinidade de títulos? A maioria, os mais sensatos?

Capas dos livros: prometem ser livro infantil como quaisquer outros.

Sobre a história que contei, em 2000 a resolução dos 300 foi revogada por uma corte federal americana.

Continua em outro post.

2 Comments:

Blogger bruno reis said...

Essa historinha até parece anedota educativa para ensinar como funciona a democracia...

Quando a biblioteca em questão comprou tais livros, ela estava adotando uma posição política que excluía outros segmentos da opinião pública (a saber, anti-homossexualismo)? é uma posição política sim, por ser uma posição democrática. aposto como há bastante espaço na biblioteca para pais héteros.

Pode ter o Estado um mínimo de neutralidade quando se vê perante a diversidade de opiniões? acredito que buscar a neutralidade seja o mínimo que o estado possa fazer, já que o jogo democrático permite se manifestem as mais diversas vozes. cabe ao estado fazer essa mediação.

Existem livros indesejáveis? Não sei, é uma pergunta difícil. O ''Minha luta'', do Adolf Hitler poderia ser considerado um livro perigoso, por exemplo. Acredito que ele vá de encontro com vários princípios democráticos. Mas ao mesmo tempo eu não o li, e portanto não posso ter uma opinião própria, e sim uma reflexão a partir de opiniões alheias. Isso é um problema. Mas legalizá-lo totalmente também seria complicado, afinal. Acho que talvez uma classificação indicatória seria mais interessante, alguma coisa como acontece com os filmes. Sem falar de um bom prefácio esclarecendo o contexto do livro.

Se existem, quem tem legitimidade para dizer quais são, dentre uma infinidade de títulos? A maioria, os mais sensatos? Acho que isso deve ser resolvido da maneira que eu disse acima, um certo controle de algumas obras que incentivem práticas que vão de encontro aos princípios democráticos. Não como simples proibição, mas que eles possam ser lidos por pessoas aptas legalmente para arcar com suas responsabilidades. Ou seja, ao menos pessoas adultas. Talvez seja essa a preocupação do pastor Jeffrey, mas ele acabou burlando dois príncipios, um deles até mesmo

8:42 AM  
Blogger bruno reis said...

(cont) moral, bíblico, que é o de não roubar. mas isso pouco importa, pois não é a moral que designa as leis. o outro príncipio atropelado foi o mais básico da democracia, que é o da liberdade de opiniões, posto que ele incorreu em censura em dois momentos: ao roubar os livros para que eles não estivessem mais ao acesso do público e ao pregar contra os políticos do tal Council, dizendo aos fiéis que não votassem neles. Um coquetel molotov de tolice e reacionarismo.

Acho que é isso, achei que cê tinha levantado alguns pontos bem interessantes e copiei eles aqui para tecer minhas opiniões.

8:46 AM  

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