Para Além da Roda: O que as tradições nos ensinam
,começar um parágrafo com vírgula não tem nada demais. Inclusive posso até continuar escrevendo como se fizesse uma frase regular quando (verdade) (não) (fazer): (fazer) (não) (verdade). +, Se ( já ) mos
COM
CRE
TOS ,
Será que não devemos esperar um pouco, parar um pouco, e ouvir o mofo? Ler as lápides do que seriam nossos precursores e pensar: “que cilada em nossas ambições”? Enfim, ouvir a tradição?
É verdade que, muitas vezes, são péssimas as soluções encontradas por nossos avós de espírito. A arte como representação pura e simples da realidade, os antigos ideais de beleza e de cultura, a visão do artista como um santo e mártir, formalismos e repetição de temas com os quais hoje não nos identificamos, os excessos do mecenato sobre o ato da criação, enfim... foram coisas que em algum tempo e de certa forma já foram a rotina, e que, também “de certa forma”, ainda nos visitam hoje.
Mas, num mundo sem verdades absolutas, em que o máximo que temos é o argumento, por que ignorar os antigos, mesmo os gagás? Se quisermos destruí-los (o que não é o caso), devemos primeiro entender o que são, sob pena de acabar repetindo aquilo que neles criticamos. Ou seja, antes de fazer um parágrafo que começa com minúscula, devemos pensar se o fazemos com sinceridade ou não. Devemos nos perguntar: o que é uma minúscula? O que é um parágrafo? Por que já não pensaram no parágrafo iniciando com uma vírgula? As respostas não serão exatas, nem únicas.
Para não me alongar, posso dar o exemplo da forma. Abaixo as fôrmas!, vamos lá gritar. Mas a métrica, a forma tradicional, as solenidades deste ou daquele gênero, elas levam em si não apenas burocracias, mas conteúdo que as anima desde quando foram inventadas. O percurso pelo qual nos guia um soneto (ao menos os sonetos tradicionais) é reto mas cheio de mistérios e encantamento. Assim é o haicai, a ode, a epopéia, enfim. Mas, já pensando num uso não-ortodoxo, tais formas são também idéias. Por isso pôde Murilo Mendes fazer verdadeiros sonetos brancos; Hilda Hilst tem um livro de odes de bela assimetria; o haicai, como “conceito” agüenta até mesmo o haicai concreto, sem qualquer dos três versinhos metrificados...
É possível, enfim, como nos quadros de Rembrandt ("Aristóteles contemplando o busto de Homero"), vestir os antigos como nós mesmos. Hoje em dia, ainda por cima, podemos vesti-los de qualquer coisa, ou mesmo deixá-los nus. Mas, por favor, deixemos o velhinho falar... nem que seja para nos xingar.
5 Comments:
Eu gostei do título! Calma, não foi só isso, mas como o título é a primeira coisa do texto, tinha que começar por aí. Aliás, não do título especificamente, mas daquilo que acredito que seja o nome da série de posts explorando os temas do mês no Por Mais Leitura, o ''Para além da roda''. E acho que gostei porque, lembrei agora, foi um dos nomes que eu sugeri =x Ok, esquece, um pequeno prazer narcisista esse o meu.
Concordo com o senhor, chutar a tradição só por chutar é besteira. E detesto que isso seja considerado prática da juventude, já que tem tanta gente experiente fazendo coisas que são ''diferentes'', mas realmente não trazem nenhuma coisa nova. E o que eu acho pior realmente não é nem fazer algo que já se fez, mas se fazer qualquer coisa pensando que se está reinventando a roda.
A verdade é que a única coisa que a gente pode ter certeza de que é ''nova'' e não ''repetida'', é aquilo em que a gente sente honestidade. Honestidade no sentido de haver uma voz própria, que o autor não está somente encaixando expressões e idéias alheias, mas que tudo aquilo lhe pertence, mesmo que sejam todas idéias e expressões bem comuns. O que só prova que só ser ''novo'', ''inédito'', não adianta. É preciso ter uma boa bagagem para saber se novo ou não, aquilo realmente tem ou não efeito. Porque a tradição normalmente é feita de coisas que deram certo, realmente, não se deve desprezá-las. Mas repeti-las seria um erro também, porque tudo que é usado demais, por melhor que seja, acaba gasto.
Num mundo tão rápido assim, talvez seja mais difícil ainda chocar e desestabilizar alguém. Ou talvez o grande lance seja justamente fazer o contrário. Aliás, acho que a única certeza sobre o caminho a seguir é que certeza não há... Nosso chão ultimamente é sempre essa corda bamba das possibilidades sem fim.
achei incrível esse teu texto, ó, ary :) eu quase rotulei de crônica, mas teria realmente problema se eu assim o intitulasse? hehehe
que isso sirva de lição aos antigos (e eternos) rebeldes sem causa. eu tb ja fui assim e se duvidar ainda caio nesse entorpecer de novo (mas que os Mestres me salvem :P).
hoje to mais por uma rebeldia com causa, claríssima causa de preferencia. hehehe verdade: reitera o bruno e reitero eu - devemos pensar no que fazemos. em todos os minimos detalhes do texto, sem jamais esquecer o macro, o todo, a nossa cosmovisão, a sinceridade do texto.
se é difícil?
nao sei quem nisso entrou por achar ser fácil :)
mais agradável o saudoso desafio, tendo as tradições na cabeceira e a janela aberta ao infinito.
e so mais um ps: marina colasanti na ultima Bienal do Livro disse o que sempre se dise que o escritor deve fazer, aquela do "encontrar a propria voz". e na hora eu ate fiz o velho "pfff" de quem ja ouviu isso mil e duas vezes.
mas que eu diga que esse teu texto vai ao encontro do que ela (e tantos outros) ja disse(ram). é conhecer de tudo um pouco, buscando sempre o que diabos queremos dizer, como vamos dizer, e sem imitar ngm. mas ter inspira~ção e influeencia em algo nao quer dizer plagiar algo ;)
somos definitivamente pessoas jovens, novas, mas sabemos que nao fazemos algo assim estrondosamente inovador. temos pontos novos, pontos velhos, mas so seremos bons e realmente sensíveis e palpáveis se falarmos com a nossa propria voz.
essa da voz é bom de continuarmos falando em outros momentos, pois ^^
Pois é, gente, pura verdade isso que vocês disseram hehe
Bruno, realmente não é só dos iniciantes o problema, assim como também não é só de hoje. Acredito que sempre quando o momento histórico muda, temos essas novas situações que nos põem perante os nossos "pais", e que podemos abraçá-los ou cuspi-los na cara. Nosso desconhecimento da história acaba fazendo a gente vender a roda como "lançamento".
Marília, esse negócio do encontrar a própria voz é meio complicado, apesar de todos sabermos do que se trata. É lógico que todos queremos encontrar nossa própria voz. Mas acho que ela não pode prescindir da honestidade, e esta não pode esquecer do conhecimento do que já se fez antes de nós. Hoje eu acredito que se com sua reflexão um autor encontra total identificação com Petrarca, logo ele encontrará "a própria voz" repetindo Petrarca (lógico que com as óbvias modificaçãos,também parte da "honestidade" e até inevitáveis, de ponto de vista, cultura, etc).
Meu comentário não será muito grande como os outros, mas fazer o quê?
Gostei MUITO do texto. Do modo como escreveu, da questão das construções na literatura. :) Muito bom!
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