Wednesday, September 12, 2007

Para além da roda: Literatura Marginal

Na beira, nos lados, fora do centro. É isso que significa ‘’marginal’’. Mas quando falamos em Literatura Marginal, estamos falando de uma literatura à margem do quê?

Essa denominação é usada quase sempre em referência à um movimento mais ou menos delimitado ou restrito e que corresponde a um grupo de escritores que, na década de setenta, inspirada pelo movimento da contracultura e encurralada pelo clima de tensão causado pela ditadura, começou a publicar e fazer circular sua produção de maneira alternativa. Esses artistas costumavam imprimir seus textos através de mimeógrafos e confeccionavam pequenos livros artesanais, distribuindo-lhes de maneira independente. Seus autores eram muitas vezes os próprios vendedores.

Além dessa ruptura com o mercado editorial tradicional, que não conseguia abarcar essa produção, se é que ela queria ser por ela abarcada, os chamados marginais trouxeram também uma série de inovações estéticas, destacando-se principalmente o uso generalizado da linguagem oral dentro predominantemente dentro do gênero da poesia. Isso fica claro em poemas que quase sempre prescindem de rimas ou métrica e que costumavam possuir temáticas extremamente próximas do cotidiano.

Podemos dizer que o Modernismo, cujo marco é a Semana de Arte Moderna de 1922, já havia proposto essa aproximação do dia-a-dia na literatura, mas isso com o objetivo principal de buscar e formar uma identidade nacional, seja ela mais ou menos idealizada. Prova disso são os seus conseqüentes desdobramentos nas décadas seguintes, em que o romance buscou retratar as realidades regionais e o povo do nosso país, enquanto a poesia começava a questionar os aspectos de ser e estar nesse mundo entre e pós-guerra.

Entretanto, a Geração Mimeógrafo, como também é chamada esse agrupamento de escritores de idéias mais ou menos afins, traz esse uso da linguagem cotidiana não como simples apropriação da linguagem popular, mas como sua própria linguagem, isto é, em toda a sua subjetividade trespassada pelo dinamismo da vida urbana. Da mesma forma se dá com os temas e demais aspectos dessa literatura. Até mesmo a maneira dessa literatura circular, já que os livros manuais eram vendidos em cinemas, barzinhos e lugares culturais, já era uma forma diferente de habitar e fazer uso do espaço urbano.

Dentre os escritores que fomentavam esse novo movimento cultural podemos citar, entre outros, Cacaso, Chacal, Francisco Alvim e Ana Cristina César. Esses artistas, porém, ao contrário do que poderia sugerir o termo ‘’marginal’’, não estavam tão a parte da sociedade. Pelo contrário, eram quase todos provenientes do eixo Rio - São Paulo, ou ainda Minas Gerais e Brasília, e trabalhavam quase sempre como profissionais liberais ou funcionários públicos, ocupações portanto tipicamente da classe média.

Talvez por isso nos últimos anos esteja-se usando a nomenclatura Literatura Marginal de uma maneira mais ampla do que falamos até então. Esse novo conceito abrangeria toda e qualquer produção literária que tivesse como origem os setores menos privilegiados da sociedade. Passa-se então de uma delimitação mais estética para uma classificação que leva em conta o contexto sócio-econômico em que esses autores estão inseridos. Poderíamos englobar então sob esse rótulo desde escritores oriundos das periferias dos grandes centros, como Férrez, que organizou a coletânea Literatura Marginal, Paulo Lins, autor do romance Cidade de Deus, até a poesia de cordel, que sempre esteve à margem do circuito acadêmico oficial.

É nessa perspectiva ampla e não puramente acadêmica que as discussões nas Rodas do Por Mais Leitura desse mês devem se desenvolver. Até que ponto a origem de um trabalho e seu contexto devem ser levados em conta na apreciação da obra? O caminho da aproximação do coloquial é hoje ainda interessante? Que contribuições essa Literatura Marginal ainda tem a nos oferecer?

Independente da resposta para essas perguntas, fica aqui aberto o debate que vamos ter tanto aqui no blog quando nas Rodas de Leitura. Controvérsias à parte, entretanto, fica a certeza de que esse tema nos proporciona ótimos autores e textos para serem compartilhados, como em breve poderá ser conferido também no Roda Virtual.

2 Comments:

Blogger Lara said...

O problema com a nomeclatura "marginal", nas artes em geral, é que para saber onde é a margem precisa-se entenderonde fica o centro.
E o centro, esse não se sabe já faz um tempo.

12:46 AM  
Blogger João Miguel said...

Pois é, Lara, não se sabe faz um tempo. A autodivulgação, essa conquista de um tempo-espaço é mais acessível, e se consegue atrair público para observação e também interação. É incrível como se pode "fazer-se notícia" e impressionante quantos ainda estão distante dessa possibilidade.
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Comparando à época, essas opções eram menores e o surgimento da geração parece ter sido o momento em que se percebeu, sem poder negar, o movimento por fora das editoras. Hoje marginal é basicamente em editora independente?
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Para quem quiser comprar um mimeógrafo, o Mercado Livre tem dois à venda. Eu dei uma conferida nesse instante! =P

11:43 AM  

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