Wednesday, May 23, 2007

Dos meus Mestres: Moreira Campos, cearense.



Conheci Moreira Campos, feliz ou infelizmente, através do vestibular. Talvez tivesse sido melhor conhecer a sua obra em outro momento e ter mais tempo de me deter nela – mas hoje posso faze-lo, e, por isso, escolhi justamente o Moreira Campos pra comentar. Eu li apenas 4 livros, mas é um dos meus autores de cabeceira, por ter plena convicção de que poucos conseguiram dizer tanto com o aparente tão pouco. Fala-se muito da “concisão moreiriana” (e que aqui eu diga da minha aversão a esses termos. Penso que nem o Pedro Salgueiro, quando ele ouve de professores de pré-vestibular, “a obra salgueiriana” ... Eu certamente teria espasmos se ouvisse alguém falar da “obra mariliana”, mas enfim!), o que eu sei é que ele foi bem mais que isso.
Quem estudou, como eu, com professores que foram alunos dele, sabe do carinho que todos lhe tinham. Das histórias com o fusca verde de que ele não se desfazia, da rosa que todos os dias ele procurava e colhia pra esposa, às 17h pontualmente, enquanto ela se arrumava pra receber a dita rosa – e por decênios assim eles fizeram. Conta-se que foram perdidamente apaixonados, e até no leito de morte ele ainda dizia as juras de amor. E dando à César o que é dele mesmo, graças às aulas de pré-vestibular, muita curiosidade eu tive de ir atrás de outros livros e não ficar só no “Dizem que os cães vêem coisas”.

Essa seleção que foi feita pelo próprio autor, é de uma riqueza incrível. E sou de opinião, tendo lido outros 3 livros do autor, que ele escolheu criteriosamente os melhores contos para a antologia final, pouco antes de sua morte.

Dele que, a meu ver, é o maior escritor cearense (Na frente dele, dos que eu conheço, não tem José de Alencar, Rachel de Queiroz, concretistas, não tem ninguém), muitos contos me ficaram como inesquecíveis - com o perdão do saudosismo.
Falando sobre o "Dizem que os cães vêem coisas", pela notoriedade da obra, cito do começo do livro, na fase dita impressionista, o “Lama e folhas”, um conto longo e belíssimo em que ele diz uma frase que eu sempre lembro, mais ou menos assim: “A velha era cheia de arestas”. Acho genial como ele lidava com metáforas. Com os flash-back em poucas palavras, com os instantâneos- do-real, a técnica cinematográfica das imagens nos contos curtos. Aquela teoria de Tchecov que é citada no livro dele, e que também acho sempre bom lembrar: “se a espingarda não vai atirar no conto, tiremos então de cima da mesa”. Conforme diz Hélio Pólvora: "Moreira Campos, “embora não sendo um tchekhoviano perfeito, dele (Tchekhov) se aproxima quando livra o conto de uma sobrecarga excessiva e procura atingir logo o alvo, localizar logo o nervo exposto”.

Situando-o historicamente, segundo Assis Brasil, "Moreira Campos faz, no Ceará, a ligação entre o conto de história, ainda vigente nos primeiros anos do Modernismo, e o conto de flagrante, sugestivo, que as novas gerações, a partir de 1956, desenvolveriam em muitos aspectos criativos”.

Gosto muito também do conto “As corujas”, por entender que ele sabe bem trabalhar com o inaudito, os silêncios e os medos das personagens. O “Doze parafusos” em que ele fala do desespero da esposa que vai cometer suicídio e tira os 12 parafusos da janela – genial o modo como ele descreve aquela angústia no tirar de cada parafuso! Ainda no Dizem que os cães vêem coisas, estão também os polêmicos “Profanação” (onde um cavalo invade uma igreja atrás de uma égua e lá mesmo procura o acasalamento – e consuma, na frente de todas as beatas), e “Gota delirante”, conto que se pode dizer parcialmente erótico, no sentido de explorar bem a temática sexual, apesar de não ser tão explícita, mas uma narrativa rica em detalhes. Quem não lembra da lenda que foi a irmã Cibele? quem lembra, ri, mas esquece que naquele conto o autor fala da exploração que muitas crianças podem sofrer nas mãos de supostos santos, os padres, as freiras. Provavelmente esse conto foi o escândalo da época, junto com o conto da Maria de Fátima, que falava do relacionamento desta com outra mulher, largando o noivo Pedro, pra desespero da mãe.
Mas não se pense que ele só escreveu de temáticas polêmicas: nos seus contos Moreira Campos também fala da questão urbana, fala do sertanejo, fala das misérias e da vida do homem comum. Comum rico, comum pobre, partindo de uma ótica universalista pra temas específicos sem nunca perder aquela velha cosmovisão fatalista que ele tinha, dizem, só no escrever e não no trato com as pessoas.

Pra quem gosta de narrativas curtas e interessantes, não pode perder a chance de conhecer Moreira Campos que, dentre vários méritos, é expressão da cultura cearense, de nossos costumes. Ele não perde nunca a chance de surpreender, com finais ora inesperados, ora, apesar de esperados, sempre inovadores, seja em linguagem, seja em conteúdo. O estilo de Moreira Campos é inconfundível, pois são poucos os que conseguem fazer o que ele fez: dizer, com poucas palavras, o que muita gente passa a vida tentando explicar de todo jeito.
Moreira Campos está entre os maiores, pra se ter uma idéia, sendo normalmente equiparado a Graciliano Ramos, na concisão da linguagem, e a Machado de Assis, na genialidade.

A comparação pode ser ou não comprovada pelo leitor, quando for tirar suas dúvidas na própria leitura da obra, que recomendo como sendo de nota máxima. Seja o Dizem que os cães vêem coisas, ou as outras Antologias de Moreira Campos que, pelo que li, são todas de seleção muito bem feita. Fica ainda outra sugestão pra quem ainda não teve a oportunidade de ver a recente (mas não tão recente assim) Antologia de Moreira Campos em quadrinhos, que também é bastante interessante:

(e pra quem freqüenta a Biblioteca do Centro de Humanidades da UFC, eu já encontrei vários exemplares por lá =)




Marília Passos

5 Comments:

Blogger Ary Salgueiro said...

Interessante ter focado na diversidade temática do autor... É o que tem faltado ultimamente. Talvez seja mais comercial enxergar o autor como só falando disso ou daquilo, a fim de "rotulá-lo" melhor...

8:49 AM  
Blogger Marília Passos said...

Na verdade quase todo mundo que ja leu é unanime em dizer que quase ninguem foi bom como ele.

e eu, sinceramente, nas minhas tentativas de conto, tento ao maximo seguir as lições dele ;)

verdade que sempre andarei bem longe, inclusive pq n tenho aquela mao santa. hehehe
fato é: nós temos que ler mais O homem ;)

6:41 AM  
Blogger Eli said...

Oi! Vou apresentar um seminario s/Moreira Campos dia 01/03/2010. Sou estudante da UECE de Iguatu (FECLI).Li seu artigo e utilizarei alguns pensamentos em meu seminario claro citando a fonte para não ocorrer acusação de plagio.(rsrsrsrsrs). Gostaria de conversar com voce para tirar algumas duvidas. Bjus!

2:34 PM  
Blogger Unknown said...

Fui apresentado a Moreira Campos muito tempo depois da sua morte,pra falar a verdade na faculdade numa aula de redação empresarial.
Aprender escrever vai demorar um pouco, um fato concreto em minha vida de leitor com certeza tem um divisor de aguas .Ler os contos de Moreira Campos.
Entender as entrelinhas o inaudito o contexto as insinuações a critica polida a sociedade.
Creio que os olhos de um bom leitor,nao somente um decifrador de palavras ,passam atentos pelos enigmas escritos deste grande cearense.

9:48 AM  
Blogger Unknown said...

Lendo "Moreira Campos" percebemos o porque dos nossos políticos e governantes nao implantarem uma educação de qualidade no Brasil.
(Pensar e perigoso ,isso nao pode ser massificado ,dizem eles) .
E muito mais fácil governar a um povo que nao exercita o principal músculo que fica bem entre as duas orelhas, ver o Faustao ,panico na tv,casseta e planeta e novelas , para quem nao ler tudo isso e fantastico,e um shou da vida .
Por isso concordo com Monteiro Lobato que disse :Uma naçao se faz com homens e livros.

10:18 AM  

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