Sunday, March 11, 2007

O caso da Vila das Artes

Vista de uma das janelas da casa do Barão. *Foto por Diogo Braga


Fevereiro, mês de férias para os alunos da UFC, muitas festas, viagens e carnaval no meio, ou mesmo muita tranqüilidade pra quem aproveitou para descansar. Enquanto isso, os alunos da Escola de Audiovisual travavam uma batalha dura pelo direito de ter aulas e até mesmo uma sede própria.


Para quem não sabe, a Escola de Audiovisual é um projeto de iniciativa da Prefeitura de Fortaleza, ligado diretamente à Funcet(Fundação de Cultura Esporte e Turismo de Fortaleza) e certificado como curso de extensão pela UFC. O curso faz parte de um projeto maior, que é o complexo cultural da Vila das Artes, que teria como sede o Palacete do Barão de Camocim, prédio histórico tombado recentemente pela Fundação da Cultura.


O complexo contaria, além da Escola, com um Centro de Artes Visuais, Biblioteca, Videoteca, Café, Núcleo de Produção Digital, Laboratório de Mídias Interativas, Escola de Dança e Agência de Notícias Culturais. Tudo isso alardeadamente lançado no final do primeiro semestre, aproveitando o embalo do Cine Ceará, contando com releases publicados em toda a imprensa, inclusive em revista nacional de cinema, causando grande rebuliço na comunidade artística local.
Poucos não foram os casos, inclusive, de universitários que pensaram até mesmo em largar seus respectivos cursos para embarcar na empreitada. Isso porque, logo depois do lançamento do curso, veio o edital de seleção das quarenta vagas da escola, disputado por mais de 600 inscritos. Luiziane Lins veio reconhecer só recentemente que as coisas foram muito rápidas, ‘’talvez tivesse sido melhor esperar mais um pouco’’. Afinal, as obras na Casa do Barão, como é chamada pelos alunos, não haviam sido iniciadas ainda em Agosto, quando era previsto o início das aulas, que acabaram não acontecendo.


Adiada por dois meses, as aulas tiveram início apenas em Outubro de 2006, com sede provisória na Casa Amarela Eusélio de Oliveira, onde foram ministradas as disciplinas de Cinema Experimental e Vanguardas I. Por falta de pagamento da locação, entretanto, a Escola acabou sendo expulsa do local. Estranho que isso tenha sido feito mesmo sendo a instituição vinculada à UFC, e esta possuindo parceria com a Escola. Vale lembrar também que os professores não foram ressarcidos pelos seus dois meses de trabalho.


De qualquer forma, as aulas desse semestre, o segundo da primeira turma, estavam previstas para se iniciarem no dia 29 de Janeiro, e acabaram sendo novamente adiadas pela Funcet sem muita explicação. Os alunos, então, decidiram conferir o estado da Casa do Barão, e qual não foi sua surpresa, encontram o local não somente sem obras, como em parte depredado, resultado do abandono em que ficou durante certo tempo, sem vigilância alguma.


O enorme palacete, que conta ainda com um casarão em seus fundos, teve até mesmo sua fiação e vasos sanitários arrancados. O prédio ainda está estruturalmente conservado, mas longe de estar em condições de receber os alunos. De qualquer forma, a decisão dos estudantes foi de fazer uma ocupação da casa em forma de protesto, um ‘’protesto afirmativo’’, como definiram, isso porque não se constituía apenas em uma forma de chamar a atenção das autoridades e da sociedade, mas como algo produtivo e ativo culturalmente. Do dia 2 a 9 de Fevereiro, na ‘’Semana Sine por Cine’’(uma brincadeira com o fato do local ter abrigada anteriormente o Sistema Nacional de Emprego), o casarão foi palco de exposições fotográficas, peças, performances, shows musicais, intervenções, mostras de filmes, oficinas e debates, tudo de forma ininterrupta e organizada.


Não pôde escapar a impressão de quem esteve por lá de que o casarão estava mais movimentado e produtivo do que se a prefeitura estivesse realmente cumprindo seu papel, o que mostra que a classe artística de Fortaleza só precisa de apoio e oportunidade para fazer o cenário acontecer.


De qualquer forma, depois da movimentada semana, e passando o carnaval, os ocupantes conseguiram finalmente uma audiência com a prefeita Luiziane Lins, à qual compareceram também outros descontentes com o atraso dos projetos da Funcet. Não somente as obras da Escola de Audiovisual estavam paralisadas, como também os editais do ano passado da instituição ainda não tinha tido sua verba devidamente repassada.


Na ocasião a prefeita reafirmou o compromisso para com a Escola e com os editais da Funcet, além de ter esclarecido que, ao contrário do que se especulava, o problema não era resultado da redução do orçamento da instituição, que estava previsto para ser de 1% do orçamento geral. O que teria acontecido de fato foi que o município teve uma arrecadação abaixo da esperada, juntando-se a ocasião do pagamento de pendências do orçamento de anos anteriores, como o concurso para enfermeiros e dentistas da pasta da Saúde, o que comprometeu o orçamento deste ano.


Além disso, foi marcada uma ‘’aula inaugural’’ para o dia 05, que seria ministrada pela própria Luiziane, que falaria sobre gestão pública de cultura, marcando a retomada das aulas do curso. Nesta a loira esclareceu algumas questões sobre a atual gestão de cultura do município, destacando que o orçamento da Funcet na gestão anterior havia sido de apenas 0,43% do orçamento geral, enquanto agora tínhamos mais de 0,7%. Isso sem contar com o fato de terem sido transferidas para outras pastas os setores de Turismo e Esporte, o que deu espaço bem maior para a Cultura.


Ressaltou ainda importância de formar parcerias para a manutenção do projeto, que já foi contemplado pelo Ministério da Cultura, através do edital de Núcleo de Produções Digitais, com R$ 100.000 para financiamento de programas de formação, além de um kit de equipamentos. Estes, entretanto, ainda não foram recebidos por falta de lugar adequado para recebê-los.


A prefeita anunciou, finalmente, a parceria com a Faculdade Católica do Ceará, que será a nova sede temporária do curso, além de ter anunciado negociação para a reforma do Casarão, ‘’de forma que os alunos da primeira turma se formem já na sua sede definitiva’’. Não foi esclarecida que tipo de parceria estaria sendo estabelecida com o Marista, instituição que abriga a faculdade, mas quanto à construtora que deverá fazer a reforma foi dada uma explicação bastante peculiar. Possuindo uma dívida com certa empreiteira, a prefeitura fez uma negociação que trocaria o pagamento da dívida por um desconto de 20% na mesma, que seria amortizado através dos serviços na Vila.


Agora é esperar pra ver e cobrar que a política cultural de tão boas iniciativas seja realmente levada à diante. E isso não só quanto à prefeitura atual, mas principalmente quanto a futuras administrações, lembrando que o que é preciso para desenvolver a vida cultural da cidade é a continuidade de seus projetos. De qualquer forma, o certo é que continuaremos de olho.


*Bruno Reis para o Jornal Jabá

2 Comments:

Blogger Ary Salgueiro said...

Interessante a matéria, Bruno! Não podemos ignorar esta parcela de menos de 1 % da nossa cidadania...
Ainda mais quando é promessa alardeada pela prefeitura...
No mais, pelo menos a prefeita conversou com os revoltosos e parece estar tentando se redimir e continuar a iniciativa, que pode ser uma ótima pra a nossa cultura cearense.

5:24 PM  
Blogger bruno reis said...

Pois é, Ary, a prefeita deu ouvidos aos revoltosos, como cê disse, mas vale dizer que não foi pouco o barukho que foi feito não. Quando as coisas começaram a se resolver mais ou menos, pensei que a matéria ia perder um pouco o sentido, mas depois lembrei que tanto pouca gente ficou sabendo desse rebuliço todo, como pouca gente sabe até que o projeto da Vila existia. É uma ótima idéia, se posta em prática diria que sanaria uma grande parte da nossa deficiência de produção e difusão cultural na capital. E se foi prometido, é preciso ser cobrado. Vou procurar me informar e acompanhar o desenrolar dessa história.

8:21 PM  

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